Que tiro foi esse?
Amigos leitores,
Com o sucesso que se tornou o hit que já colou e vai grudar que nem chicletinho no próximo carnaval, “Que tiro foi esse?”, me levou a refletir sobre tudo o que tenho testemunhado em relação à música. E gostaria de deixar claro que aqui a questão não é se gosto ou não do gênero, da música ou da artista. Mas como vocês sabem que sou uma pessoa curiosa e que gosta de estudar culturas, convido vocês a embarcarem comigo no novo fenômeno da música brasileira que já está tocando em todos os lugares, despidos de todo e qualquer conceito prévio, que naturalmente existe, considerando nossos lugares de fala, nosso histórico de vida e bagagem cultural.
Eu que já andei um bocado por aí, já fiquei hospedada em palácios na Espanha e com a mesma curiosidade e excitação já andei pela feira popular de Belford Roxo, na baixada fluminense, sob um calor carioca de mais de 38 graus, me sinto confortável em bater este papo com vocês. Quando eu entrei na faculdade, vindo da minha cidade de interior do Rio de Janeiro, com razoável leitura, mas pouca vivência e visão de mundo e conceitos pré-fabricados na minha cabeça e um deles era exatamente o conceito de cultura, tudo era muito limitado. Infelizmente passei boa parte da vida até a adolescência considerando cultural apenas aquilo que enaltecia gêneros musicais ou artísticos mais elitistas, como música erudita, obras de arte impressionistas e por aí vai…
E veio o Pará em minha vida. Ah, o Pará. Uma vez um cliente meu, que é carioca, numa conversa num churrasco de final de semana, fez o seguinte comentário após Victor falar que era paraense: a culinária paraense é a mais sofisticada do Brasil. É uma gastronomia com elementos exclusivos de uma região… Ouvindo aquilo, fiquei reflexiva em um dia ter resistido a toda explosão cultural que o Pará oferecia desde o dia em que pisei naquelas terras. E numa conversa, numa casa no Lago Sul, o lugar mais nobre de Brasília, ouvi este comentário. Que tal para vocês? Para mim, foi algo surpreendente e que me deixou muito, mas muito cheia. Sim, porque aquela opinião quebra um paradigma sobre cultura e porque tudo o que é sofisticado, não agrada a todos. A culinária paraense não agrada a todos, assim como a francesa também não.
Mas voltemos ao tiro, ops, ao tema principal. Ouvi vários contextos, de artistas a amigos de redes sociais criticando o hit do momento. Então, quem já foi a uma comunidade, vulgo favela, carioca? Confesso que nunca fui. Sim, por medo, pavor (morei dois anos na cidade do Rio de Janeiro e nunca tive a mínima vontade de ir). Paciência… Mas digo, daqueles que criticam, quem conhece o contexto da comunidade, seu linguajar, seus códigos, sua dança, sua cor, seu sabor, suas nuances, sua música e seu manifesto? Pois é, eu não conheço, porque nunca estive em uma. Mas hoje podemos aprender por meio de vários canais e um deles é a internet. Ontem ouvi várias declarações de pessoas famosas ou não sobre a música. E por último, ouvi a cantora Jojo Todynho, que escreveu a letra e é sua principal intérprete. Jojo defende que o “tiro” da música faz referência a um tipo de linguagem muito comum entre a comunidade LGBTQI+ (termo aprendido com meu amigo e mestre em Direitos Humanos, Jefferson Sampaio), onde o tiro conotativo trata do abalo ao ver alguém muito belo, muito bonito, próximo a outro termo de quando se vê algo impactante e dizemos “morri!”.
Em sua defesa, ela destaca ainda que as pessoas julgam sem ao menos conhecer o cenário abordado na construção desse tipo de comunicação que a língua traz. Devemos lembrar que o funk no Rio de Janeiro, assim como o rap em São Paulo, são sobretudo verdadeiros manifestos de uma parcela da população que por anos foi totalmente ignorada e marginalizada do espaço social, por questões históricas já conhecidas. É a forma de comunicação mais viva, que nasce como traço cultural do meio urbano de um povo que entende, por si só, suas mazelas e as consequências sofridas. Esses mesmos gêneros já permitiram que muitas pessoas fossem “salvas” de um destino mais cruel, causado pela incompetência da administração pública em manter a ordem urbana em cidades com esse tipo de formação.
A questão aqui, amigos, é aquele que produz uma comunicação e aquele que a recebe, que se identifica, que brinca, que vê nesse ritmo uma projeção de sua própria vida ou aquele, que em seu imaginário tem curiosidade de conhecer mais sobre este panorama cultural que hoje não precisa de televisão, tampouco de jornais e revistas para se tornar conhecido. A democratização no uso de internet permite que artistas das comunidades postem em tempo real suas produções, ficando instantaneamente conhecidos, vendo pela primeira vez nas curtidas e comentários das redes sociais a reação de uma sociedade que está com um retrato diferente.
O funk, o mesmo ritmo que projetou o fenômeno artístico brasileiro chamado Anitta (gostem ou não, mas ela é um caso real de sucesso), encontra em seu sucesso a mesma base para o sucesso do ritmo que também conquistou o país e que tem sustentado fortemente, o sertanejo universitário. A questão é que cantar aquilo que as pessoas sentem não é algo fácil e se tem algo em comum com os artistas desses dois gêneros é que eles conhecem profundamente seu público, sua audiência e, de quebra, conquistam facilmente, adeptos em classes que a priori não estão originalmente relacionadas. Agora gostaria que você pensasse se você tem essa capacidade: saber se comunicar efetivamente, por meio do trabalho que você faz, com sua audiência, entender seus temores, interpretar seus maiores desejos e fazê-los se reconhecerem naquilo que você produz. Fica a reflexão. Quanto mais alinhado você está com as pessoas que você quer alcançar por meio do seu trabalho, mais certeiro serão os tiros que você der em sua trajetória de vida. E isto serve para relacionamentos, carreira e vida.
20/365
Marcela Brito sou eu: muitas mulheres, muitas facetas, uma só identidade. Alguém com missão, paixão e coragem.
www.facebook.com/SecretariadoIntercultural
br.linkedin.com/in/marcelabrito
www.twitter.com/marcelascbrito
Instagram: @marcelascbrito
Youtube: http://www.youtube.com/marcelasconceicao
Magnífico. É a palavra que representa esse texto. Obrigado por nos propiciar essa reflexão, minha amiga querida.
Sou seu fã ⚘
“Marcela Brito sou eu: muitas mulheres, muitas facetas, uma só identidade. Alguém com missão, paixão e coragem.” E eu digo mais: alguém que inspira profundamente!
AmooO suas publicações 😊
Diria que vc conhece profundamente seu público alvo.
De uma reflexão com a vivência de mundo invejável.
Sucesso Marcella Brito !
A palavra que vem a minha mente e RESPEITO! E como e difícil (pelo menos para mim) respeitar o próximo! Não que de fato eu não respeite, pois, respeitar vai além do seu simples significado “popular”, apreço, consideração. Vi em um site de significado de palavras que a palavra respeito é “olhar outra vez”, e para mim vez todo sentido. Isso me leva a refletir que as escolhas das pessoas não podem me afetar negativamente. Que eu devo olhar novamente e procurar entender o que outro quer dizer com aquela atitude ou fala, sem “pré-conceitos”. E como a nossa querida Marcela nos disse neste texto, que a música (melhor dizendo, estilo musical) “Que Tiro foi esse?” foi a forma que a compositora achou para apresentar ou representar sua realidade e que ela foi feliz na sua escolheu. Que esse pré-julgamento (em todas as áreas) não tire nosso foco profissional e pessoal. Que nosso foco seja para nos conhecer melhor e consequentemente alcançar nosso público com qualidade.
Obrigada Marcela. Espero que tenha me expressado da melhor maneira.
A partir desse texto eu paro e penso…
O que fazer, como agir para me tornar uma secretária que caminha ao lado do meu gestor.. É um trabalho difícil, mas não impossível..